O Natal é a festa por excelência da sociedade capitalista. Travestido de congraçamento nos escritórios ou nas residências, o Natal tem por objetivo implementar a compra/venda e fazer os trabalhadores gastarem seu décimo-terceiro salário. Ou o que sobrou dele. Ou parte do minguado salário que lhes reservam sempre os árduos anos de trabalho.
José e Maria foram às compras. Amigo oculto, ceia, presentinhos para mãe, avós, vinho do pai. E nisso iriam, provavelmente, gastar grande parte do décimo, nono salários. Resolveram entrar na loja maior da cidade e se assustaram com os preços. Restou-lhes espiar as vitrines, lotadas de coisas que nunca poderiam comprar.
Na vitrine maior, do lado de fora, havia uma aglomeração de crianças. Sentados no chão, meninos e meninas da área se juntaram para olhar extasiados, embasbacados, hipnotizados, a enorme, fantástica vitrine, cheia de brinquedos que seus olhos não acreditavam pudessem existir. E que nunca, sob qualquer hipótese, poderiam ter. No alto dela, uma estrela azul celeste, na forma de um anjo, piscando, dançando uma canção natalina; e um gordo Papai Noel, tocando um sininho, murmurava rororô. Um mundo absolutamente encantador, fascinante, recheado de personagens de Disney e com neve para todo lado. Uma das crianças perguntou o que era aquela coisa branca e outra o mandou calar a boca O importante era olhar o trem que cortava a atordoante paisagem. E os animaizinhos, os duendes, gnomos, fadas e um trenó, meio deslocado em meio à exuberância reinante.
Foi uma menina que quebrou o silêncio boquiaberto: “A boneca de tranças é minha”. Outra a seguiu: “O urso que dança é meu”. E deu-se uma cascata de ‘meus’ e ‘minhas’ que não acabava mais. As crianças foram se apossando dos brinquedos como se pudessem levá-los para casa. Entre gritos e risadas de prazer. Até que um garoto de boné roxo entrou em rota de colisão com outro mais velho que queria a arma estilo ‘guerra nas estrelas’. Falei primeiro, vociferou o pequeno. Eu pensei primeiro, disse o outro. Mas não ouvi seu pensamento, retrucou o de boné. E começou uma briga. Estavam rolando os dois na poeira quando o policial adentrou a cena. Com sua truculência usual agarrou os garotos e dispersou o grupo. Circulando, disse ele, limpem a área.
Maria e José, que tudo viram, quedaram-se em um quiosque, desalentados. Aqueles brinquedos na vitrine tinham um endereço. Mas não às crianças de rua. Maria parecia cansada. Pôs a mão no ventre e sentiu, pela primeira vez, a criança se mexendo. Lembrou-se das palavras de uma amiga: “Um filho é um voto de confiança na humanidade”. O companheiro e ela se olharam risonhos. Vai ser combatente, disse ela. Vamos, José falou, o pessoal está chegando. Temos de começar a panfletagem.
Publicado em: 2024-12-24 18:31:00 | Autor: Giovanna Maria |