O desaparecimento de pessoas no Brasil vai além do drama individual ou familiar. Trata-se de um problema social, muitas vezes associado a questões como segurança pública, exploração sexual e tráfico de pessoas. Para a pesquisadora Simone Rodrigues Pinto, da Universidade de Brasília (UnB), a falta de políticas públicas eficazes e de uma estrutura nacional integrada para lidar com esses casos dificulta a solução do problema, afetando diretamente famílias, comunidades e até mesmo a economia.
A partir do próximo dia 28, o Brasil contará com o primeiro Observatório de Desaparecimento de Pessoas no Brasil, ligado à UnB e ao Ministério dos Direitos Humanos. A iniciativa, coordenada por Simone Pinto, tem como objetivo aprofundar os estudos sobre o desaparecimento. O número impressiona: pelo menos 66 mil pessoas por ano no país saem do convívio de familiares e amigos.
Para os parentes, o desaparecimento de um ente querido representa uma paralisação total da vida cotidiana. “Muitas vezes, quem sofre essa perda não consegue mais trabalhar, seja por questões psicológicas, seja pela necessidade de buscar o ente desaparecido”, explicou Simone às jornalistas Ana Maria Campos e Mariana Niederauer no Podcast do Correio. O Observatório de Pessoas Desaparecidas, ligado à Universidade de Brasília (UnB) e ao Ministério dos Direitos Humanos. O impacto econômico é significativo, especialmente em famílias de baixa renda. Muitas vezes, a mãe ou o pai que lideram a busca é também o principal provedor financeiro.
Apesar da gravidade do problema, o Brasil ainda carece de estudos aprofundados sobre o desaparecimento de pessoas. “No Observatório, tentamos articular os poucos pesquisadores que trabalham com esse tema no país. Mas ainda é um grande quebra-cabeça. Há quem estude os desaparecimentos ligados a milícias e narcotráfico no Rio de Janeiro; outros focam em desastres naturais, como os ocorridos em Brumadinho e no Rio Grande do Sul. No entanto, essas pesquisas ainda não se conectam para oferecer uma visão mais ampla do problema”, relatou a especialista.
Alerta Amber
Uma tentativa de combater o desaparecimento de crianças no Brasil foi a implementação do Alerta Amber em 2023 no Distrito Federal, em Minas Gerais e no Ceará. O sistema foi expandido para mais de 15 unidades da Federação, mas ainda enfrenta desafios. “O DF, proporcionalmente, é onde mais desaparecem pessoas no Brasil, mas, até agora, apenas duas crianças foram incluídas no alerta por aqui”, explicou a especialista.
Segundo dados do Ministério da Justiça, o Distrito Federal registrou 2.701 desaparecimentos em 2023. Naquele ano, alcançou a maior taxa de desaparecimentos por 100 mil habitantes, com 91 casos. A segunda posição ficou com Roraima, com 77,1 casos por 100 mil habitantes. O Rio Grande do Sul ficou na terceira posição, com 68 casos.
Apesar do avanço tecnológico, o alerta Amber tem limitações. Nos Estados Unidos, a notificação é enviada para os telefones celulares da população, transmitida em cadeia nacional de rádio e TV e exibida em painéis de rodovias. No Brasil, o alcance é restrito ao Instagram e Facebook, dentro de um raio de 160 km do local do desaparecimento. “Esse alcance, considerando o tamanho do país, é quase nada”, lamenta Simone Pinto. Ainda assim, o alerta Amber já ajudou a encontrar quatro crianças — três no Ceará e uma no Paraná.
Tipificação
Outro ponto crítico é a ausência da tipificação do crime de desaparecimento forçado no Brasil. Apesar de reiteradas recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o país ainda não tem legislação específica para esses casos, que muitas vezes envolvem integrantes do Estado.
“O desaparecimento forçado ocorre quando há envolvimento de agentes públicos, como policiais e servidores do sistema prisional, ou até mesmo de grupos paramilitares com a conivência do Estado”, explica a especialista. Sem uma tipificação específica, esses casos são registrados de forma genérica, dificultando a real dimensão do problema.
A lacuna na legislação torna esses crimes graves invisíveis. “O mesmo aconteceu com o feminicídio. Antes de ser tipificado, os casos eram tratados apenas como homicídios. Com a criação do crime de feminicídio, conseguimos entender melhor a dimensão do problema e desenvolver políticas mais eficazes para combatê-lo. O mesmo deveria acontecer com o desaparecimento forçado”, argumentou a especialista.
O Brasil, apesar de não estar em guerra, registra números de desaparecidos equivalentes aos de países em conflito. “Quando olhamos para genocídios na África ou conflitos raciais, vemos que os números são próximos. E isso em um país que, teoricamente, vive em período democrático”, alertou Simone Pinto.
Além disso, contou a especialista, há uma resistência em investigar casos de desaparecimento dentro do sistema prisional. “Muitos familiares entram em contato com os presídios, mas os presos simplesmente desaparecem. Oficialmente, são registrados como fuga, mas há indícios de que muitos casos envolvem ocultação de mortes, destacou.
Crianças e adolescentes
A especialista também abordou a alta de desaparecimentos envolvendo crianças e adolescentes. E recomendou atenção às famílias. “É comum ouvirmos relatos de crianças que foram apenas até a outra quadra e nunca mais voltaram. A vigilância e o controle sobre redes sociais são essenciais, pois há criminosos agindo nesses espaços para fins de tráfico de órgãos, tráfico internacional de pessoas ou abusos”, explicou.
Muitas famílias acreditam que esse tipo de crime ocorre em regiões periféricas ou com crianças que se distanciam muito de casa. No entanto, os dados mostram que qualquer descuido pode ser fatal. “Quem não lida com isso acha que é exagero. Mas não é. Acontece com mais frequência do que imaginamos”, advertiu a especialista.
Diante desse cenário, Simone Pinto reforçou a necessidade de políticas públicas mais eficazes; maior integração entre os órgãos de segurança e a sociedade; e urgência na aprovação de leis que permitam uma abordagem mais clara e objetiva do desaparecimento forçado no país.
* Estagiária sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza
Fonte: www.correiobraziliense.com.br
Publicado em: 2025-03-25 03:55:00 | Autor: |