Por Patrícia B. Zupo
O Teatro Lambe-lambe é considerado uma das modalidades dentro do gênero de formas animadas. Este estilo teatral genuinamente brasileiro foi inspirado nos fotógrafos ambulantes que exerciam a profissão nas ruas, parques e feiras ocupando praças nas décadas de 40 a 60. O Fotógrafo lambe-lambe era assim conhecido por literalmente lamber placas de vidro utilizadas no ofício. Ele carregava sua câmera portátil em formato de caixas com a ajuda de um tripé e, assim, podia fotografar por diferentes espaços pela cidade. As caixinhas do Teatro, por sua vez, carregam miniaturas feitas à mão, com materiais recicláveis, às vezes já reutilizados para cenários, música ambiente pelo fone de ouvido, e um enredo sensível, engraçado, emocionante, etc. A imaginação é a peça chave desta apresentação.
Em sua sétima edição, a Mostra AnimaRua traz para Curitiba artistas de sete estados brasileiros e dois países da América do Sul que apresentam em locais públicos da cidade, suas animações e histórias.
Organizada pela Trágica Cia de Arte, a mostra surgiu com o intuito de dar visibilidade aos artistas independentes e periféricos do teatro de animação, tanto da capital paranaense quanto de outros lugares, que queiram se apresentar no Festival de Curitiba. A Mostra conta com 22 espetáculos apresentados por 18 companhias de teatro de animação, entre eles, artistas de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Pernambuco, Espírito Santo, Bahia, Paraná, Argentina e Peru.
O curioso mistério das caixinhas foi idealizado e criado pelas bonequeiras nordestinas Denise de Santos e Ismine Lima in memoriam, na década de 80. O primeiro espetáculo neste gênero foi “A dança do parto”, encenado pelas autoras originalmente em 1989, em um cenário pós – ditadura, onde a ideia pro tema veio da vontade em desmistificar a ideia de que as crianças vinham com as cegonhas. Para Denise, isso era “uma mentira e incomodava muito.”
“O lambe-lambe é também um espaço político, social, não só de entretenimento”, ressalva.
Denise nos conta também que, há pouco tempo, um pai tirou a filha de onze anos de idade da fila quando soube do que se tratava a animação. Mas, em compensação, na mesma ocasião uma mulher que havia sofrido um aborto três meses antes dali, se emocionou muito e lhe disse que se achava preparada para o próximo filho. Emocionada, Denise completou: “A peça é o que acontece na vida: o nosso corpo. A gente está vendo morte o tempo todo e não pode falar de vida?”
A arte imita a vida, e para Denise, o teatro lambe-lambe é reparação histórica, pois nasce de uma necessidade da possibilidade de se mostrar o íntimo, aquilo que passou e deve ser identificado, para haver reflexão e surpresa. “É necessário a surpresa. Sem surpresa, não existe o não óbvio”.
Quanto à curadoria, a atriz nos diz que “os espetáculos são acolhidos, abraçados, e não escolhidos” sendo possível assim, as trocas entre os iniciantes e veteranos.
A atriz Luz Ana Medeiros e o Palhaço bonequeiro Ronaldo Pituim integrantes da Cia Mirabólica de Teatro levam arte-educação, oficinas e claro, o teatro lambe-lambe a públicos de diferentes idades. Em entrevista, Luz nos conta que por se tratar de uma linguagem única, muito versátil e prática, o gênero lhe encantou e suas histórias e criações podem ser facilmente levadas a qualquer lugar. Novatos no gênero, eles já conquistaram quatro chamados para festivais e, em 2024, participaram da virada sustentável que aconteceu na cidade de São Paulo.
Com o espetáculo de três minutos intitulado “Fritas para viagem”, Ronaldo nos transporta para o imaginário mundo da família “cabeça de batata” tendo como referência os gênios Tim Burton e Alfred Hitchcock, dos quais é fã. O cenário minimamente detalhado com direito a uma “pipa” em miniatura pendurada na antena de TV no topo da casinha exemplifica a arte feita em mãos, uma verdadeira (mini) obra de arte!
Perguntados sobre o que pensam para o futuro, a dupla diz que “estão preparando duas outras caixinhas e, pretendem alcançar o mundo.” Não deixando de lado o sonho de apresentar suas criações, no exterior, em festivais de teatro de animação.
Uma característica que permite que o Teatro Lambe-Lambe seja apresentado em qualquer país é o fato de que, sendo animação, o idioma fica em segundo plano. O que está em jogo é o sentir, como exemplificou Denise: “é preciso causar a surpresa no público, a Arte, em geral, faz isso.”
A Mostra AnimaRua faz parte do FRINGE 2025 e está na programação da 33ª edição do Festival de Curitiba, que teve início no último dia 24 e se encerra em 06 de abril. O evento reúne cerca de 350 atrações espalhadas por mais de 70 espaços de Curitiba e região. Diversos gêneros como dança, circo, música, humor, performances e gastronomia, compõem a diversidade das manifestações artísticas.
Publicado em: 2025-03-29 14:28:00 | Autor: <span>NINJA</span> |