Diretor de Ainda Estou Aqui revela discurso que escreveu e que não conseguiu ler na cerimônia do Oscar
TVT News esteve na primeira coletiva de imprensa após a conquista de Ainda Estou Aqui no Oscar. Walter Salles, Fernanda Torres e Selton Mello contam detalhes da noite histórica para o Brasil. Salles revela qual era o discurso de agradecimento que havia preparado.
“Viva a democracia. Ditadura nunca mais!”, diz Walter Salles em coletiva após vitória inédita no Oscar
Por Janaina Pereira, especial para TVT News
Menos de 24 horas depois de ‘Ainda Estou Aqui’ conquistar o Oscar de melhor filme internacional, o diretor Walter Salles, a atriz Fernanda Torres e o ator Selton Mello participaram de uma coletiva de imprensa na segunda-feira (3), na qual a TVT News esteve presente.
Diretamente de Los Angeles, Salles aproveitou a oportunidade para ler o discurso que tinha preparado para a premiação, e que ele não achou quando foi anunciada a inédita vitória brasileira pela atriz espanhola Penelope Cruz.
“Obrigado, em nome do Cinema Brasileiro. Agradeço à Academia por reconhecer a história de uma mulher que, diante de uma tragédia causada uma ditadura militar, optou por resistir para proteger sua família. Em um tempo em que tais regimes estão se tornando cada vez menos abstratos, dedico esse prêmio a Eunice Paiva e a todas as mães que, diante de tamanha adversidade, têm a coragem de resistir. Que nos ensinam a lutar sem perder a capacidade de sorrir, mesmo quando elas se sentem frágeis. Este prêmio também pertence a duas mulheres extraordinárias, Fernanda Torres e Fernanda Montenegro. Elas não apenas elevaram nosso filme, mas representam o fato de que a arte resistiu no Brasil. Governos autoritários surgem e desaparecem no esgoto da história, enquanto livros, canções e filmes ficam conosco… Obrigado a todos, em nome do cinema brasileiro e latino-americano! Viva a Democracia, Ditadura Nunca Mais!”
O cineasta frisou que o final do discurso, onde diria “Viva a Democracia, Ditadura Nunca Mais!” seria falado em português. “Fico feliz de poder dizer isso hoje aqui para vocês”, comentou.
Salles também relatou como foi a estratégia de divulgação do filme nos Estados Unidos. “Não há cartazes de ‘Ainda Estou Aqui’ em Los Angeles, porque a [distribuidora] Sony Classics quer que as pessoas desvendem os filmes, assistam. Esse boca a boca é o que foi crescendo.”
Ele frisou que o sucesso de bilheteria de ‘Ainda Estou Aqui’ é uma novidade em sua carreira – só no Brasil já foi assistido por mais de 5 milhões de pessoas. “Isso não aconteceu com minhas outras obras. As pessoas tomaram posse do filme e ele gerou reflexão.”
Walter Salles ainda compartilhou algumas histórias que ele viveu durante a divulgação do longa – foram seis meses de trabalho desde a estreia de ‘Ainda Estou Aqui’ no Festival de Veneza, em setembro do ano passado. Uma delas envolve um de seus ídolos, o cineasta alemão Wim Wenders.
“Não conseguimos divulgar o filme na Alemanha. Não tivemos agenda. Então o Wim Wenders viu o filme e se ofereceu para apresentar uma sessão em Berlim. No dia teve uma nevasca e ele dirigiu duas horas na neve apenas para apresentar ‘Ainda Estou Aqui’ em um cinema local. Antes da cerimônia do Oscar, encontrei um votante da Academia, um alemão que veio me dizer que viu o filme na sessão de Wim Wenders. E que tinha votado na gente. Essas histórias eu vou levar para sempre”, revelou.
Oscar 2025 destacou o cinema independente
Fernanda Torres chamou a atenção para os prêmios que a 97ª edição do Oscar deu ao cinema independente. Para a atriz, isso é histórico.
“Acho que ‘Ainda Estou Aqui’ é primo de ‘Anora’. A maneira que ‘Anora’ foi feito é igual ao nosso, é cinema de grupo. Ela [Mikey Madison] foi atrás de se preparar. Ela se joga sem rede, porque tem confiança no [diretor] Sean Baker. Flow [vencedor de melhor animação] é outro filme independente. E teve o documentário também, tão importante [No Other Land, sobre os conflitos entre Israel e Palestina]. Foi uma noite histórica para o cinema independente.”
A atriz mandou um recado para a torcida brasileira, que não encarou com bons olhos a vitória de Mikey Madison como melhor atriz, derrotando a própria Fernanda.
“Eu queria pedir para só mandarem amor para a Madison, mandem só amor. Aquela mulher é muito legal”, disse.
Fernanda não escondeu o cansaço, mas disse que vai levar Eunice Paiva para sempre em sua carreira.
“O ator é o acúmulo de personagens que faz. Eu vou acessar a Eunice nos meus próximos trabalhos. Ela vai sempre estar comigo.”
A atriz também destacou os momentos emocionantes que viveu ao longo da trajetória de ‘Ainda Estou Aqui’ em festivais e premiações internacionais.
“Visitei lugares como atriz que eu nunca tinha visitado. Cruzamos com muitas pessoas incríveis, e elas eram uma coisa antes e outra depois de ver o filme. Assistindo ao filme, fiquei impressionada como parecíamos pessoas reais. Isso é o Walter, que foi limpando o que era falso. Todo mundo fala: parecia uma família, parece real, não parece cinema. E por isso é cinema.”
Fernanda Torres disse que não tem conseguido falar com a mãe, Fernanda Montenegro, por causa do fuso horário, mas que “dona Fernanda” – como Walter Salles chama a atriz – ficou muito feliz por ter sido lembrada pelo cineasta no discurso após a vitória no Oscar. Salles dirigiu Fernanda Montenegro em ‘Central do Brasil’, que deu a ela uma indicação ao prêmio na categoria melhor atriz, em 1999, e ao filme a indicação como filme estrangeiro (atual categoria filme internacional).
Globo de Ouro é melhor, diz Selton Mello
Selton Mello revelou que gostou mais de participar do Globo de Ouro.
“O Globo de Ouro era mais íntimo, estava todo mundo ali na mesma mesa. O Oscar era mais distanciado, cada um ficou num lugar, e eu fiquei no fundão, onde o áudio era ruim. Ficamos lá eu, a [produtora associada] Daniela Thomas, a Nalu e o Chico [filha e neto de Eunice e Rubens Paiva].”
- Vídeo: Selton Mello mostra o momento em que Ainda Estou Aqui conquista Oscar
O ator citou que o momento mais emocionante de todo o percurso do filme foi a estreia mundial no Festival de Veneza.
“Nunca vou esquecer daquilo. Ver o filme ali, no Festival de Veneza, a emoção tomando conta. Eu já tinha visto o filme na sala de edição, a Nanda também… mas a primeira vez ali [na tela grande] em Veneza foi uma comoção louca. Foi ali que entendi a grandeza emocional do filme.”
Selton comentou que sentia na coletiva um clima de encerramento de ciclo, mas que a trajetória de ‘Ainda Estou Aqui’ não terminou.
“O filme vai estrear em outros países, ainda vai ficar em cartaz no Brasil… tem muita coisa para acontecer. Isso aqui [a coletiva de imprensa] não é o encerramento. ‘Ainda Estou Aqui’ é eterno, ainda tem muita estrada e debate. Essa é só mais uma etapa do filme.”
Enquanto Walter Salles e Fernanda Torres revelaram que vão entrar de férias por tempo indeterminado, Selton Mello disse que estará em mais uma temporada da série ‘Sessão de Terapia’.
“Mais vai ser difícil para mim voltar à série, porque eu vou olhar ao redor e lembrar do Walter. Depois de ser dirigido por ele, agora tudo para mim vai parecer falso”, concluiu, rindo.
Ainda Estou Aqui, o primeiro Oscar do Brasil
‘Ainda Estou Aqui’ continua em cartaz nos cinemas brasileiros. O filme aborda o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello) e a resistência de sua viúva, Eunice Paiva (Fernanda Torres). A produção, baseada no livro homônimo do filho mais novo do casal, Marcelo Rubens Paiva, foi escolhida o melhor roteiro do Festival de Veneza de 2024, ganhou o Globo de Ouro de melhor atriz para Fernanda Torres e conquistou o primeiro Oscar do Brasil, na categoria filme internacional – concorreu também em melhor filme (categoria que o país nunca recebera nomeação) e melhor atriz.
Publicado em: 2025-03-04 16:08:00 | Autor: Redação TVT |